O Retorno do Avô I
Peça num só acto .
( Sentados na sala bem mobilada, o Avô que parece dormitar, é interrompido no seu descanso pelo Neto que entretanto se aborrecera de jogar Play Station).
De um salto a criança desata ao gritos junto ao auricular encravado na orelha de seu amado avô:
- Avôzinho ! Ó Avôzinhoooooooooooo !- Dize lá meu querido netinho. Mas não faças perguntas esquesitas! Tá bem amorzinho lindo do avô?
- Tá bem avozinho kiduxo. Diz-melá então, porque é que és retornado e ficaste sem tudo o que tinhas em África?
- Ó meu netinho, isso é uma história muito longa e com mais de 500 anos !
- Mas tu tens mais de 500 anos avô ? Caramba ! Conta avozinho ! Conta ! Conta!
- Tá bem. Vou contar-te.
Ajeitando-se na cadeira, o avô cerra os olhos e deixando cair uma lágrima pelo canto do olho, relata a seu neto...
-Há mais de 500 anos, uns navegadores portugueses que andavam à sardinha perderam-se no mar. Arrastados pelos ventos e pelas fortes marés foram ter a África. Ali chegados, encontraram elefantes, macacos, girafas, leões, etc.etc.
- Avozinho, só haviam animais ? E pessoas não haviam? ( pergunta com curiosidade o neto)
- Pois, pessoas não haviam não. Andavam por lá uns pretos, que só diziam uga uga e outras coisas que os navegadores não percebiam. Andavam quase nus, comiam como os gorilas, não tinham maneiras nenhumas e viviam de qualquer maneira.
Os navegadores, a maior parte deles gente culta e de fé, tiveram logo que, no primeiro encontro com os pretos, dar-lhes umas porradas para eles entenderem que quem mandava em África não eram eles.
E foi assim à estalada e ao pontapé no cu, que os pretos começaram a trabalhar para os navegadores e família ( que ainda não eram retornados, só passaram a ser 500 anos depois), bem como aprenderam a acreditar em Deus e a rezar o Pai Nosso.
- Xiiiii Avozinho !!! Não acreditavam em Deus nem na Nª Srª de Fátima ?
- Pois não meu neto lindo. Para eles Deus era a terra, o sol, o mar, os pássaros, as florestas e N. Srª de Fátima ainda não tinha aparecido nessa altura.
Eram uns selvagens!
Tivemos que os educar durante séculos. Mas não foi tempo perdido, porque alguns conseguimos domesticá-los, ensinámo-los a sentarem-se à mesa, a deixarem de comer os restos das nossas refeições e escorropichar os nossos copos de vinho tinto vindo do puto.
Os anos foram passando e os pretos começaram a aprender a trabalhar como nós e para nós.
Faziam um pouco de tudo. Trabalhavam na tonga, na borracha, nos nossos milheirais, ora substituindo os jumentos ora capinando.
Enfim trabalhos agrícolas tal como os navegadores faziam nas suas aldeias antes de se perderem em África.
Depois desta fase, começaram a chegar a África muita gente, uns eram ricos e mais ricos ficaram porque descobriram que um preto qualificado rendia bom dinheiro. Começaram a vender os pretos. Se soubesse cozinhar, lavar os pés aos seus donos, tomar conta dos meninos, lavar a roupa e cantar canções de embalar rendiam muito dinheiro.
As pretas, se tivessem outros predicados para além destes, podiam até valer o triplo.
- Avozinho, porque não trouxeste um pretinho para me lavar as costas que eu não consigo?
-Hahahahaha essa é boa meu netinho ! És inteligente meu safadote! Mas não pude trazer. Mas olha que eu tinha dois pretos para tomarem conta de mim e levarem-me à escola ás cavalitas. Bons tempos !!
-Hummmmm...tinhas duas motorizadas, só que eram pretos. Boa ideia. E mais?
- Com o andar dos anos, estas vidas foram-se mudando, os pretos começaram a ficar mais parecidos com os brancos e alguns brancos mais parecidos com os pretos.Tinham a mania que eram todos iguais, que eram todos filhos do mesmo Deus.O que está errado! Basta olhar para um preto para se ver que não pode ser filho de um Deus branco! Entendes?
- Entendo sim. A Josefina, que diz que é minha prima tem um Deus castanho?
- A Josefina não é nada tua prima! São invenções dela. Ela foi encontrada à nossa porta de casa dentro de um saquinho. E nós, como bons cristãos adoptámos a mulatinha. Percebeste? Mas o Deus dela é branco!
(continua)
2 comentários:
O comentário caíu por falta de Luz...
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